" - “ Não olhes para trás, faças o que fizeres, não
olhes, para, trás!”
Assim que dobrei a esquina e vi o primeiro poste de
iluminação, o aperto desanuviou e tive de parar mesmo por debaixo da luz onde
me sentia mais segura. Tentei controlar a respiração demasiado ofegante quando
ouvi um rosnar atrás de mim. Senti arrepios gelados a subirem a minha coluna e
todos os pelinhos dos meus braços ficaram em pé. Olhei para trás de onde viera um
som tão desconcertante e quase me saíram os olhos das órbitas.
Aquilo não era normal… não era humano, não era nada,
parecia que enfrentava o olhar de um demônio – espera - aquilo não tinha olhos!
Eram apenas duas covas negras e mais abaixo um triângulo escuro todo
arrepanhado como se lhe tivessem arrebentado com o que deveria ser um nariz. A
boca abria-se mostrando uns dentes nojentos todos aguçados e afastados entre si
como se fossem os de uma planta carnívora, escorria-lhe um liquido negro,
misturado com vermelho da boca que manchava o chão - parecia petróleo - tinha
porções de cabelo de espaço em espaço todos arrepiados e tinha apenas uma
orelha que parecia estar comida e roída. O tronco curvava-se todo, mostrando a
coluna ossuda debaixo da pele, os pés tinham falta de dedos e as mãos eram horrivelmente
esqueléticas e gigantescas, como se fossem garras de dragão ou até mesmo uma
mistura genética muito estranha - podia dizer que aquilo quase andava por
“quatro patas”. As pernas pareciam as de um canguru pelo seu formato só que
eram finas e a pele do monstro era esverdeada misturada com terra e sangue.
Quando me permiti cheirar o ar a minha volta, vi que
era insuportável, parecia o cheiro a esgoto misturado com bombinhas de mau
cheiro da melhor categoria, era indescritível.
Comecei a ter a sensação do vómito e tonturas tudo
misturado com o pavor que sentia. Dei passos hesitantes para trás e a criatura
seguia-me, parecia que farejava o ar para captar o meu odor.
- “Mau dia para usar perfume.”
Pois claro, sem olhos não me via, então o que faria?
Olhei para o chão sem tentar mover-me muito e encontrei pedrinhas, baixei-me
devagar e apanhei umas quantas, mais um rosnar baixinho como se fosse uma
queixa e fechei os olhos, ergui-me mais um pouco e procurei um sítio para onde
pudesse atirar as pedras, encontrei um beco, atirei o mais longe possível e
ouvi o chocalhar das pedras que me fez tremer, tapei a boca.
A cabeça da criatura girou para o lado de onde eu
atirara as pedras e começou a dar passos hesitantes nessa direção, comecei a
calcular passos e a afastar-me - a criatura também já se afastava de mim -
quando por um raio de sorte qualquer o meu telemóvel recebeu uma mensagem e o som
estridente fez-se notar.
Com o susto sobressaltei-me e pousei mal o pé,
pisando uma rocha, escorregando, caindo de rabo no asfalto e batendo com o
cotovelo no chão causando-me uma dor horrível. A criatura rosnou e começou a
correr na minha direção dando um salto imediato, abrindo os braços, tentei
arrastar-me para longe quando esbarrei num cano maltratado, agarrei no tudo com
a ponta cortada e ergui-o fechando os olhos automaticamente.
A criatura soltou um grito descomunal, algo dum
outro mundo e quando consegui abrir os olhos, o monstro estava colado à parede
a definhar e a afogar-se no seu próprio sangue. Uma sombra apareceu a meu lado
e ergui-me rapidamente com o tubo na mão, pronta a lutar. Depois daquela
adrenalina toda de certeza que iria cair redonda na cama.
- Pousa isso por favor, ainda arrancas um olho a
alguém!
- Hã?! – Foi só o que consegui proferir.
Escutei a voz, sabia que era um homem e depois ele
saiu detrás das sombras com as mãos no ar e com o sorriso que sabia ser de
troça.
- Então posso baixar os braços ou vais bater-me com
isso? ... "
Diana Silva - Excerto de "Emancipada"