sábado, 12 de abril de 2014

O Parca Negra (4º Episódio)

Despertei no meio do breu, com uma sede tremenda, destapei-me ao sentir o calor imenso e pisei o chão descalça e caminhei sonolenta. Desci as escadas a caminho da cozinha para beber água. Abri o frigorífico e tirei de lá a garrafa, bebi um longo trago e pousei depois em cima da bancada.
Espirrei quando me dirigia novamente para a cama.
- Boa... sozinha e ranhosa.
Voltei para trás e assoei-me a papel de cozinha quando senti uma forte pontada de dor. Sentei-me na primeira cadeira que vi e massajei suavemente as fontes.
O cheiro não desaparecia, era tão irritante como um ambientador que estivesse de meia em meia hora a activar-se para simular os cheiros menos apelativos da casa, mas o que me fazia mesmo frustrar os sentidos era de que eu gostava do que sentia, era como um encantamento sem feiticeiro, fazia sentir-me quente e segura, fazia com que eu quisesse estar com o dono que o possuia.
Dei por agradecida pelo facto de os meus pensamentos somente me pertencerem a mim e a mais ninguém. Fechei os olhos quando surgiu novamente o perfume tão dedicado a recordar-me da minha solidão e foi então que me arrepiei. Um calafrio que surgiu da epidural até subir coluna acima para chegar ao meu pescoço.
Mãos quentes e firmes pousaram nos meus braços, roçando ao de leve para cima e para baixo. Não tive oportunidade de me assustar, de sentir horror ou qualquer sentimento de pânico, simplesmente porque o meu corpo e as mãos não mo deixavam sentir. Era tudo uma partida bem concebida da minha mente.
A sua respiração arrancou-me um longo suspiro ao retirar-me a dor de cabeça e encostei-me ao corpo desconhecido que me chamava somente como as sereias o fazem. Este moveu-se e deixou-me sentir o seu respirar no pescoço, os seus lábios a acariciar-me cada milímetro de pele e as suas mãos num vai e vem incessante a acalmar-me cada nervo, a fazer com que cada veia pulsasse impaciente pela sua chegada. Senti novamente o alguém a mover-se mas desta vez para longe e foi aí que me ergui à sua procura por entre a luz da lua que escoava pelo espaço que a janela lhe oferecia.
- Onde vais? - Perguntei, quando senti a tristeza sem justificação na minha voz.
Alto, imóvel, virou somente a face para mim, mas mesmo assim não conseguia distinguir-lhe todos os traços. Voltou-se novamente para a frente e iniciou o caminho de saída. As minhas pernas enlouquecidas correram atrás da figura negra e agarrei-o pela cintura.
- Por favor não me deixes sozinha.
Encostada às suas costas, senti o ar que fazia subir e descer o seu peito, o aroma forte, masculino e quando pensei que ele me iria agarrar nas mãos e partir, fez o total oposto.
Virou-se no meio do meu abraço e retribuiu-me o gesto para logo a seguir me procurar os lábios com os deles.
Não lhe deixei margem de dúvidas e quando nos selamos num beijo deu-se a revolução das minhas hormonas, que me pediam aquilo que eu não sabia se ele estava disposto a dar.
Os seus braços ergueram-me e colocaram-me no seu colo, deixando-me ser guiada e esquecer totalmente os prováveis locais para onde o desconhecido me podia levar e quando dei por mim a sentir os lençóis e o colchão debaixo de mim, comprimidos com o meu peso e o dele, senti a maior alegria. Os beijos eram desmedidos e contínuos enquanto que ao mesmo tempo me acariciava cada parte da pele, era só subir um pouco o pijama e livrar-me da roupa interior para ter o que queria, com quem desejava.
As suas mãos foram seguindo as minhas ancas até encontrarem o sitio predilecto e realmente fazerem o que esperava que fizessem. Uma onda de prazer percorreu-me o peito, foi quando abri os olhos e encontrei os deles. Negros... os seus olhos eram negros...
Acordei com frio e sozinha... um sonho... tinha sido somente um sonho...

Diana Silva
12/04/2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Parca Negra (3º Episódio)

Tamborilava incessantemente os dedos no mármore da banheira, dando comigo mesma a olhar para o tecto com o que era provavelmente uma expressão de morta viva abominável.
Ri de mim mesma sob a ideia de tomar banho semi nua com medo de que olhos indesejados e desconhecidos violassem a minha pele, mas a verdade era que me enfiara rapidamente debaixo da espuma e assim permaneci até esta desaparecer, para logo a seguir me virar e vestir o roupão, mesmo com a janela coberta senti-me vigiada, num puro estado de paranóia que se encontrava a caminho do irreversível.
Deixei-me ficar sentada na borda da banheira e completamente sedada à preocupação com os deveres de maior importância. Até deixei de parte a preocupação com a conta da luz.
Porquê ter medo de uma carta proveniente de um admirador secreto?
A minha cabeça era uma montanha russa em constante andamento mas eu sabia que não era a carta que temia mas sim o facto de estar presente no meu território sem ter propriamente perninhas para caminhar.
Era isso, só podia ser. A Vanessa decidira fazer das suas e pregar-me uma grandessíssima partida. Pagar uma boa gorjeta à empregada para cumprir com o guião, pedir a alguém que escrevesse a carta por ela porque assim saberia que eu não reconheceria a letra...
Suspirei, enviei uma boa gargalhada para o céu e abanei a cabeça incrédula com a minha ingenuidade.
-Vais dormir umas boas horas e é agora Cassandra, porque este manuscrito está a dar cabo de ti.
Confessei a mim mesma diante do espelho, enquanto decidia que pijama vestir. Ia falar com Vanessa no dia a seguir para deixar bem claro que eu a tinha descoberto com a boca na botija.
O que poderia eu dizer? Era uma descrente face ao amor platónico.
Abri a cama que de quente nada tinha, e enfiei-me dentro dela enroscando-me toda no edredão, enquanto tentava mascarar o problema do frio, entrei num dilema comigo mesma.
Tinha vinte e cinco anos, eu era uma adulta que só tinha como companhia o portátil e uma amiga que via de semana a semana. Na minha adolescência tive um par de namoricos que não me correram assim tão bem e à anos que não sentia o toque, o cheiro ou escutava a voz de um homem ao meu lado para me aconchegar.
Ela tinha razão, iria tornar-me numa velha rabugenta, com gatinhos de cores e tamanhos diferentes.
Encolhi os ombros, suspirei pesadamente, e em vez de me martirizar com parvoíces, decidi deixar-me levar pelo sono. O único consolo que tive foi ao pensar no adiantamento do meu trabalho, isso sem dúvida alguma valia a pena.
Foquei-me nos pés e mãos já quentes e entrei no estado de sonolência.
Juro que antes de adormecer me senti aninhada nos braços de alguém com um cheiro semelhante ao do envelope...

Diana Silva
02/04/2014