domingo, 15 de novembro de 2015

O Parca Negra (8º Episódio)

Encostei-me por mero segundo, espreguicei-me para me abstrair da tensão que sentia tanto nos ombros como pelo corpo todo! O rabo já se encontrava achatado com certeza, e a minha cabeça pairava no que poderia escrever a seguir.
Um pouco diferente no entanto da minha escrita habitual. Enquanto formava balões de conversa na minha cabeça os dedos mantiveram-se repousados em cima do teclado gasto.
"Mesmo não confiando no rapaz deixou-se levar, mesmo não sabendo o que se seguiria permitiu-se encostar, mesmo não esperando qualquer acto ela permaneceu na espera..."
- Bolas! Para onde está o meu cérebro a levar-me? Pensa Cassandra! - murmurei.
Bufei, esfreguei os olhos e olhei para o meu relógio de pulso. Eram 22h46, passara as últimas doze horas na prática do sedentarismo. Não acabara sequer o café, a chávena tinha um pouco mais de dois terços e sentia o colo, onde pousara o portátil, a arder.
Tinha que arranjar uma ventoinha, o portátil ainda se punha na reforma mais cedo do que julgara.
Ponderei em levantar-me e acabar o sétimo capitulo da minha nova aventura. Descobria a pouco e pouco o que me impelia para aquilo e se calhar a Vanessa tinha razão, se calhar eu precisava mesmo de alguém.
Mas tudo isto por causa de um sonho? Já para não falar que nem chegou a acontecer nada.
Era isso, só podia! Já estava tão enterrada de teias de aranha que já nem sabia ter sonhos audazes.
- Meu Deus...
Pousei de lado o pc e optei por me esticar e andar até à cozinha. Parei à entrada sem sequer passar para o seu interior.
Aquele odor assolara-me quase de imediato, aquecendo-me e deixando-me desnorteada. Estava louca só podia.
Em vez de seguir o rumo inicial, a minha massa cinzenta optou por enveredar outro caminho.
Subi as escadas e pensei que seria muito bom tomar um duche de água quente. Cheguei à casa de banho, fechei a porta sem motivo aparente e despi-me preguiçosamente, deixei as roupas a um canto sem qualquer preocupação e abri a torneira libertando o jacto de água quente.
Senti o cabelo finalmente solto a colar-se às ancas e virei-me de modo a ficar com a cara debaixo de água apreciando o calor e a força com que a água socorria o meu corpo.
Deveria ter gritado, deveria ter-me assustado, mas não.
Ao sentir aquele ligeiro toque apenas sobe estremecer, e apesar do calor essa simples aproximação fez-me ficar com pele de galinha.
O chegar, o esmagar contra um peito vibrante o repousar da cabeça, tudo tão natural, tudo tão pacifico, tão...
Quando senti os lábios no meu pescoço soltei um suspiro e quando me tentei virar prendeu-me as ancas incapacitando-me de mudar a minha posição e fiquei de frente para a parede, encostada, sem manobra de escapatória possível.
O roçar das ancas tornou o jacto de água que caia sobre mim, abrasador. Comecei a desejar ardentemente virar-me e encarar quem quer que fosse que me deixava assim, mais uma tentativa e novamente com toda a graciosidade manteve-me de costas. A sua mão deslizou do meu lado direito até encontrar o meu centro e de tão geladas que estavam o meu corpo contorceu-se gloriosamente sobre elas, fiquei tão alterada que nem pensei muito nisso. Um golpe de prazer incendiou-me de baixo a cima e quase me esquecia de que os pulmões tinham que trabalhar.
- Mas o que...!?
Abri os olhos ofegante, transpirada e completamente desnorteada. Outro sonho? Nossa senhora...
Ouvi o som de uma nova mensagem a ser recebida e pensei que fosse a minha editora a pressionar-me com os prazos mais uma vez. Pressionei as têmporas e fui ao e-mail. O contacto era desconhecido, sem assunto e por momentos julguei que fosse spam, mas mesmo assim, abri o email.
" Ansioso por terminar o que começamos...
Atentamente
O Parca Negra "


Diana Silva
23:08h
15/11/2015

sábado, 19 de setembro de 2015

O Parca Negra (7º Episódio)

Fora do café, Vanessa puxou do isqueiro e acendeu o cigarro.
- Precisas de sítio para ficar?
A preocupação dela agora era genuína e eu estava a gravar um filme na minha cabeça. Imaginei certas cenas cortadas e até no director consegui ver uma personalidade. 
Ela estalou os dedos.
- Quase que acabei o cigarro e tu ainda não me respondes-te.
Senti a boca seca, a garganta doía-me e a cabeça estalava. Dei por mim a reparar que os cigarros que ela estava a fumar eram cem por cento. Será que ela andava nervosa ultimamente?
"Estás a divagar Cassandra... foca-te!" - Pensei para comigo mesma.
Metade do cérebro dizia para não me preocupar e a outra acendia todos os alerta vermelhos e todos os alarmes possíveis e imagináveis.
- Não preciso.
Suspirei, sem acabar a frase e sem sequer agradecer pela disponibilidade imediata. A cabeça dos meus dedos estavam doridos, meio calejados dos lápis, das canetas, dos marcadores, meio avermelhados da fricção da borracha ou da força no riscar dos rascunhos, comecei a imaginar o som da caneta a arranhar a folha de linhas em branco, um pensar incessante um acumular de situações, tão breves como o bater das asas de um colibri.
Fez-se luz na minha cabeça.
- Tenho que ir para casa.
Ela atirou a beata para o chão.
- Já? Porquê?
- Porque preciso de ir, tenho uma ideia a aflorar-me na cabeça. Não a posso perder.
Vanessa respirou bem fundo.
- Tu e as tuas doidices, juro que nunca te irei compreender. - ela sorriu-me.
- Tudo bem, não compreendas, até logo Nessie!
Arrepiei caminho no sentido contrário ao que nos encontrávamos, em passo acelerado tentando não perder o sentido da questão.
"Continua a pensar cabeça oca, continua!"
Sem querer parecer muito maluca, coisa que não estava a resultar visto que parecia que estava a fugir de um assassino em série, pus-me em vinte minutos em casa, onde abri todas as janelas e afastei todos os cortinados, onde tirei uma chávena cheia de cafeína e fiz uma bruta de uma sandes. Com tudo montado sentei-me no centro da sala com as pernas à chinês, o computador no colo e tudo o resto que precisava estava na minha cabeça.
Passara um mês inteiro a escrever aquele manuscrito de 500 páginas, noites e dias sem dormir, semanas sem contacto com a sociedade, enxaquecas, olheiras fundas e escuras, pele pálida de não apanhar sol, tendinites e até as articulações estalavam.
O meu coração batia a mil, mas nunca tivera tanta certeza daquilo que queria fazer como naquele momento.
Aqueci as mãos, respirei bem fundo, com uma última vista àquele terrorífico manuscrito feito à pressão e olhei somente para uma tecla...
- É agora ou nunca Cassandra! - ditei.
O meu dedo caiu no "Delete"...


Diana Silva
02:06h
20/09/2015 Domingo.
  

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O Parca Negra (6º Episódio)

"Tic, Tac, Tic, Tac.." ... o bater incessante das unhas na madeira envernizada, as gargalhadas histéricas das meninas da mesa ao lado, o cheiro enjoativo do xarope de ácer e eu ali, sozinha, tal qual uma camélia.
-"Socorro!" - gritava a minha mente.
A Vanessa estava atrasada quase uma hora e eu a pensar que estava entupida de trabalhos. O que me valeram foram mesmo os Post-its e o marcador rosa fluorescente. "Que treta..."
O café já frio, repousava com aquela superfície escura, a espelhar a janela do meu lado, a ver as pessoas a passar de olhar fixo, sempre adiante, sem brilho algum e definitivamente desmoralizadas para mais um dia de trabalho. Era como olhar-me a mim mesma, um reflexo meu.
Ao lado do café acontecia uma obra, o que fez com que a esplanada se torna-se impossível de usar, com todo aquele barulho e aquela poeira, com os homens a falar extremamente alto, do tão surdos que estavam, devido à maquinaria que era usada.
Continuei a olhar para o maldito café...
Mais cinco minutos e levantava o meu rabo já achatado, meio dormente e punha-me a andar dali para fora...
A campainha da porta do café tocou.
Se eu tivesse pensado nisso mais cedo, mais cedo ela chegava, pois as máquinas deixaram de trabalhar para se ouvirem os uivos e assobios dos trabalhadores. O cantarolar da típica frase " olá boneca!" ou então o "Hei Gostosa!" tornava-se quase enjoativo pois o guião era sempre o mesmo para a mesma peça.
Lá veio aquela morenassa de olhos cativantes e sorriso malandro nos lábios. Quando observei luminosidade que ela emanava, só me apeteceu enfiar num cano de esgoto. Ao lado dela era como ser o Shaggy do Scobydoo, ao lado de uma Angelina Jolie.
- Cassandra! Bom dia!
- Sempre alegre, não é? - Respondi-lhe mal humorada.
- Xiiii que azeda.
Ela sentou-se, pediu à empregada uma Coca cola e uma tosta mista.
- Sabes que Coca cola logo de manhã fura-te o estômago...
- E tu sabes que maquilhagem não te faz derreter o cérebro, não sabes?
- Gosto de me ver sem ácaros na cara, mas obrigada pela dica na mesma.
Vanessa sorria, sempre consciente de uma certa desconfiança. Porque era quase impossível eu ter tirado uma manhã só para a risota e para dias ameninados. Eu, ameninada?
- Então, porque me fizeste levantar tão cedo?
Fui directa ao assunto, não tinha nada a perder, queria tirar aquele peso de cima, para ter alguma leveza para escrever. Já não podia ver post-its à minha frente. Abri a mala, saquei de lá a carta e com o máximo de cuidado desnecessário pus a dita cuja em cima da mesa, mesmo de baixo do seu nariz, ela ficou tal e qual um burro a olhar para um palácio.
- O que é isto?
Semicerrei os olhos.
- Não digas que não sabes. - torci um pouco.
- Mas não sei mesmo!
A empregada, deixou a tosta e a Coca cola na mesa e antes de se ir embora, segredou.
- O senhor ao balcão pagou a sua conta menina.
Ao aperceber-se do que lhe foi dito, Vanessa ensaiou o seu melhor sorriso, ajeitou o peito e virou-se. Bastou o olhar para fazer o homem corar e pigarrear. Que lindo.
- Voltando à nossa conversa... - disse ela mordendo a tosta - eu não sei o que é isso.
- Isto é a carta de um suposto homem. - continuei.
Vanessa abriu os olhos, muito convincente de facto.
- Jura! Oh meu Deus, é desta que deixas de ser virgem!
- Xiu, cala-te! Estás a falar muito alto. - pedi a sussurrar quase - e sabes bem que não sou virgem.
- Hum... com a tua disponibilidade para a acção acho que já voltaste a sê-lo.
Voltei a fazer sinal para ela se calar e baixar o volume, graças a Deus ninguém escutara nada, ou pelo menos davam a entender que não e já escarneciam da minha pessoa, provavelmente, aquela fala barato falava muito alto. Porquê que sais-te de casa, porquê?
- Lê essa porra! - exigi.
Ela limpou as mãos sujas de manteiga e abriu o envelope, as suas narinas dilataram e apercebi-me de que ela sentira o perfume da carta, leu-o com a atenção devida, suspirou e voltou a guardar a carta.
- Sabes Cass, por mais que eu adorasse ter alguma coisa a ver com isto, não tenho. - confessou.
- Vanessa por amor de Deus, esta carta apareceu-me debaixo da porta tens plena noção disso?
- Nesse caso cheira-me a "Stalker"! É melhor contratares policias, pode ser um fã dos teus livros.
Com a pouca paciência que tinha estava difícil em pensar numa explicação plausível para a questão, mas, a verdade é que ela nem parecia estar realmente a ralar-se com o assunto. Se calhar ela não era mesmo a origem daquele envelope.
Com a dor de cabeça vieram os nervos, será que estou segura? Talvez fosse altura de eu me mudar ou era somente uma partida de alguém.
Fosse o que fosse. Eu não estava a achar piada nenhuma e tinha a pressão da editora.
Observei a Vanessa a beber a Coca cola quase de penalti e arrepiei-me toda.
- Tu não sabes mesmo nada de nada sobre isto?
Ela pousou a lata e olhou-me bem nos olhos.
- Amiga, se tivesse sido eu não teria sido tão lamechas, teria prometido sexo puro e duro, que é do que realmente precisas.



Diana Silva
Sábado 00:52
15/08/2015