sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O Parca Negra (6º Episódio)

"Tic, Tac, Tic, Tac.." ... o bater incessante das unhas na madeira envernizada, as gargalhadas histéricas das meninas da mesa ao lado, o cheiro enjoativo do xarope de ácer e eu ali, sozinha, tal qual uma camélia.
-"Socorro!" - gritava a minha mente.
A Vanessa estava atrasada quase uma hora e eu a pensar que estava entupida de trabalhos. O que me valeram foram mesmo os Post-its e o marcador rosa fluorescente. "Que treta..."
O café já frio, repousava com aquela superfície escura, a espelhar a janela do meu lado, a ver as pessoas a passar de olhar fixo, sempre adiante, sem brilho algum e definitivamente desmoralizadas para mais um dia de trabalho. Era como olhar-me a mim mesma, um reflexo meu.
Ao lado do café acontecia uma obra, o que fez com que a esplanada se torna-se impossível de usar, com todo aquele barulho e aquela poeira, com os homens a falar extremamente alto, do tão surdos que estavam, devido à maquinaria que era usada.
Continuei a olhar para o maldito café...
Mais cinco minutos e levantava o meu rabo já achatado, meio dormente e punha-me a andar dali para fora...
A campainha da porta do café tocou.
Se eu tivesse pensado nisso mais cedo, mais cedo ela chegava, pois as máquinas deixaram de trabalhar para se ouvirem os uivos e assobios dos trabalhadores. O cantarolar da típica frase " olá boneca!" ou então o "Hei Gostosa!" tornava-se quase enjoativo pois o guião era sempre o mesmo para a mesma peça.
Lá veio aquela morenassa de olhos cativantes e sorriso malandro nos lábios. Quando observei luminosidade que ela emanava, só me apeteceu enfiar num cano de esgoto. Ao lado dela era como ser o Shaggy do Scobydoo, ao lado de uma Angelina Jolie.
- Cassandra! Bom dia!
- Sempre alegre, não é? - Respondi-lhe mal humorada.
- Xiiii que azeda.
Ela sentou-se, pediu à empregada uma Coca cola e uma tosta mista.
- Sabes que Coca cola logo de manhã fura-te o estômago...
- E tu sabes que maquilhagem não te faz derreter o cérebro, não sabes?
- Gosto de me ver sem ácaros na cara, mas obrigada pela dica na mesma.
Vanessa sorria, sempre consciente de uma certa desconfiança. Porque era quase impossível eu ter tirado uma manhã só para a risota e para dias ameninados. Eu, ameninada?
- Então, porque me fizeste levantar tão cedo?
Fui directa ao assunto, não tinha nada a perder, queria tirar aquele peso de cima, para ter alguma leveza para escrever. Já não podia ver post-its à minha frente. Abri a mala, saquei de lá a carta e com o máximo de cuidado desnecessário pus a dita cuja em cima da mesa, mesmo de baixo do seu nariz, ela ficou tal e qual um burro a olhar para um palácio.
- O que é isto?
Semicerrei os olhos.
- Não digas que não sabes. - torci um pouco.
- Mas não sei mesmo!
A empregada, deixou a tosta e a Coca cola na mesa e antes de se ir embora, segredou.
- O senhor ao balcão pagou a sua conta menina.
Ao aperceber-se do que lhe foi dito, Vanessa ensaiou o seu melhor sorriso, ajeitou o peito e virou-se. Bastou o olhar para fazer o homem corar e pigarrear. Que lindo.
- Voltando à nossa conversa... - disse ela mordendo a tosta - eu não sei o que é isso.
- Isto é a carta de um suposto homem. - continuei.
Vanessa abriu os olhos, muito convincente de facto.
- Jura! Oh meu Deus, é desta que deixas de ser virgem!
- Xiu, cala-te! Estás a falar muito alto. - pedi a sussurrar quase - e sabes bem que não sou virgem.
- Hum... com a tua disponibilidade para a acção acho que já voltaste a sê-lo.
Voltei a fazer sinal para ela se calar e baixar o volume, graças a Deus ninguém escutara nada, ou pelo menos davam a entender que não e já escarneciam da minha pessoa, provavelmente, aquela fala barato falava muito alto. Porquê que sais-te de casa, porquê?
- Lê essa porra! - exigi.
Ela limpou as mãos sujas de manteiga e abriu o envelope, as suas narinas dilataram e apercebi-me de que ela sentira o perfume da carta, leu-o com a atenção devida, suspirou e voltou a guardar a carta.
- Sabes Cass, por mais que eu adorasse ter alguma coisa a ver com isto, não tenho. - confessou.
- Vanessa por amor de Deus, esta carta apareceu-me debaixo da porta tens plena noção disso?
- Nesse caso cheira-me a "Stalker"! É melhor contratares policias, pode ser um fã dos teus livros.
Com a pouca paciência que tinha estava difícil em pensar numa explicação plausível para a questão, mas, a verdade é que ela nem parecia estar realmente a ralar-se com o assunto. Se calhar ela não era mesmo a origem daquele envelope.
Com a dor de cabeça vieram os nervos, será que estou segura? Talvez fosse altura de eu me mudar ou era somente uma partida de alguém.
Fosse o que fosse. Eu não estava a achar piada nenhuma e tinha a pressão da editora.
Observei a Vanessa a beber a Coca cola quase de penalti e arrepiei-me toda.
- Tu não sabes mesmo nada de nada sobre isto?
Ela pousou a lata e olhou-me bem nos olhos.
- Amiga, se tivesse sido eu não teria sido tão lamechas, teria prometido sexo puro e duro, que é do que realmente precisas.



Diana Silva
Sábado 00:52
15/08/2015