domingo, 9 de julho de 2017

O Parca Negra (11º Episódio)

Senti a coluna a ficar hirta, não consegui afastar o olhar da silhueta. Aquela sombra que me parecia familiar, obriguei-me a não piscar sequer os olhos. Fiquei num impasse, hesitei entre levantar-me e correr e ficar sentada a admirar.
- Minha senhora, o que irá desejar?
Pisquei os olhos e virei-me para o empregado, não fazia ideia de como estava a minha expressão, mas, pelo olhar do rapaz não deveria estar muito famosa. Abri a boca e voltei o olhar para uma rua vazia. Porra, já lá não estava.
- Minha senhora?
Limpei a garganta, sentindo as faces a arder momentaneamente.
- Um café por favor... hum... duplo.
Ele escreveu no seu pequeno bloco de notas - mais algo, senhora?
Abanei a cabeça e fiz um esboço de sorriso forçado. O rapaz virou-me costas e dirigiu-se para o café. Tentei recompor-me e pôr a cabeça a funcionar. Portátil ligado, caderno de lado, estava pronta para mais um capitulo. Não demoraram a trazer o meu pedido e ao primeiro golo queimei a língua, pousei o copo já a sentir a língua crua. Xiça... tinha de me concentrar.
O choque de temperatura na minha boca fez-me ganhar o tino e nem dois segundos depois, o som divinal das teclas a serem percorridas debaixo dos meus dedos fizeram-se ouvir. Ganhei ritmo e quis continuar sem parar.
"Tão sincero o seu olhar, mas, ao mesmo tempo tão obscuro como o seu toque. Face às ultimas circunstâncias, o que poderia eu realmente fazer? Como o poderia atingir, de modo a que ele finalmente entendesse que eu estava ali para ele e somente ele me fazia sentir e agir de tal modo?"
Respirei fundo e mordisquei o interior da minha bochecha, num ato mecânico levei o copo a boca, soprei e mais um gole.
"Seria assim tão difícil?
- Não sejas idiota, por favor, olha para mim e diz-me o que vez!"
Revi as últimas linhas do capitulo por fechar e uma brisa agradável beijou-me o pescoço e a nuca trazendo consigo o odor tão por mim conhecido naqueles últimos dias, o que estivera ausente nos últimos dois dias. Cresceu-me água na boca, o interior das minhas coxas aqueceu de expectativa e as borboletas tomaram conta do meu estômago revoltado. A uns meros vinte metros uma figura ensombrou-me o olhar, ergui-me relutantemente da cadeira, o homem automaticamente pôs-se direito e virou-me costas.
Não! Desta vez não me irás escapar!
Arrumei as minhas coisas num ápice, deixei o dinheiro em cima da mesa sem esperar troco e corri. Ele andava calmamente a uns cinquenta metros na rua provavelmente nem dera pela minha mais recente missão de perseguição. Senti-me ofegante, mas, recusei-me a travar o paço, corri mais um pouco, abrindo caminho por entre olhares curiosos outros tantos enfurecidos. Ele mudava de sentido e eu seguia, tentei manter uma distância saudável para não ser apanhada e o coração martelava-me no peito, uma velocidade nada graciosa. Senti gotas pequenas de suor a cair-me pelo rosto. Ele parou e eu esgueirei-me para o meio de umas caixas empilhadas ao lado de uma loja de roupa do outro lado da estrada. Não conseguia ver-lhe o rosto e eu queria ver. Ele olhou para cima e entrou por outra rua mais estreita, atravessei a estrada sem tomar a mínima atenção aos carros, totalmente obcecada pelo estranho que estava a seguir, o meu instinto nunca me falhara, eu sabia que era ele... só podia ser ele. O meu punho na mala era de ferro e contornei a esquina da rua por onde ele se tinha dirigido, apanhei-o mesmo na altura em que ele voltava a mudar de direcção, então ganhei um pouco de mais velocidade, entrei pela rua e fiquei confusa. Teria entendido mal? Ali só existia uma escada em caso de incêndio e cimento. Lixo no chão e vazio...
Respirei fundo e tentei não entrar em combustão espôntanea, será que ele tinha subido? Mordi o lábio, eu tinha um enorme medo de alturas e a força da minha vontade impelia-me a que me lixasse para os meus medos, tinha de o encontrar.
O meu instinto de sobrevivência estava totalmente em modo Off.
Subi as escadas, com cautela e muito cuidado, o prédio em si comparado com outros à sua volta era o mais alto com dez andares, tentei não pensar muito nisso, quando cheguei ao último andar o meu coração prometia saltar-me da boca para fora, as pernas tremiam do esforço e o meu corpo ameaçava ceder, estava numa desgraça.
Caminhei até a meio chegando à conclusão de que estava sozinha ali em cima, deixei-me cair de rabo no chão e pousei a pasta ao meu lado, olhei para o céu que se erguia por cima de mim e o sol que me batia na nuca, as nuvens ameaçavam chuva mas por enquanto aguardavam pacientes no horizonte. Limpei o suor da minha testa com a manga e suspirei abraçada aos meus joelhos.
Porquê que eu era tão paranóica? Porquê que me deixei guiar pela estupidez e incoerência de pensamentos. Baixei a cabeça e no preciso momento em que o fiz a brisa trouxe-o e abri os olhos deparando-me com um par de botas pretas e com aspecto pesado, o meu olhar percorreu as pernas, a cintura e os ombros, do rosto encoberto por um boné dos AC DC só conseguia ver o lábios que formavam um sorriso de lado. Senti-me a aquecer de baixo para cima e um arrepio gelado percorreu-me a espinha. De rabo no chão afastei-me...
"Oh, claro, primeiro persegues o homem como uma maníaca e agora foges à sua frente!"
Estaquei de boca aberta como um peixe e ele vendo a minha hesitação aproximou-se, lento, sedutor, deixando o rasto quente que emanava da sua figura e estendeu-me a mão. Engoli em seco e muito devagar aceitei. A palma da sua mão estava quente, tão quente que uma sensação electrizante percorreu-me o braço até chegar ao meu âmago. Levantou-me sem qualquer dificuldade e manteve uma certa distância de mim, coisa que dei por mim a pensar que eu não queria, não... eu queria tudo menos distância.
- Até que enfim, Cassandra. Só não esperei que te aventurasses tanto.
A sua voz, profunda, suave como cetim, doce como mel. Reparei que ele ainda me agarrava na mão e retirei-a com as faces a arder de tão coradas que estavam. Tentei ver através do chapéu mas continuava a ver somente aquele sorriso.
- Eu disse-te que sair de casa de vez em quando poderia ser bom.
Abanei a cabeça e senti-me a franzir o sobrolho. Onde estava a minha coragem agora, cerrei os dentes e encarei-o de frente a sentir as dúvidas e todas as transgressões, toda a confusão em que aquele homem me punha.
- Quem és tu? - Perguntei sem vacilar.
Ele parou e por momentos achei que o surpreendera, os ombros dele voltaram a relaxar e de sorriso nos lábios disse.
- Sou apenas um velho amigo...
- Um velho amigo que me entra na cabeça e que faz aquilo que quer de mim?
Pronto, dissera-o, e voltara ao estado sinal de STOP.
- Só aquilo que desejas, Cassandra.
O meu nome a enrolar-se naquela língua soou tão sensual que quase me derreti, o meu nome na sua boca era abrasador.
- Aquilo que desejo? - a voz começou a falhar-me - então presumo que saibas aquilo que eu quero agora.
Os seus lábios cerraram-se abandonando o sorriso, a sua voz enrouqueceu.
- É isso mesmo que queres?
- Quero ver-te, deixares-me cartas e e-mails, fazeres-me visitas... tu conheces-me e eu nunca te vi na porra da minha vida.
O sorriso voltara.
- Não me arrependo. Consegues ser bastante receptiva.
Bati o pé mentalmente.
- Mostra-te!
De repente parecia que estávamos em câmara lenta, a mão dele, grande e bronzeada agarrou na pala do chapéu e com um movimento subtil, retirou o chapéu dos olhos expondo o olhar azul oceano e frio diferente dos meus sonhos...



09/07/2017
13:30
Dom.

Diana Silva













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