sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O Parca Negra (19º Episódio)

Caramba!
Quanto tempo de sossego tivera eu? Somente o tempo de tomar um duche e de me vestir. Não me sentia capaz de passear numa passerela no entanto dei por mim preocupada com o que ele pensaria do meu estilo, pensei em talvez por um rimel ou passar um lápis nos olhos, aprofundar a cor deles, mas, claro que não o fiz, agarrei na minha mala e pé ante pé deixei uma mensagem num dos meus post-its de eleição, amarelos fluorescentes. Colei-o no frigorífico onde eu sabia que seria visto mais depressa.
Abri a porta e lá estava ele, encostado à parede mesmo em frente, um pé encostado na pintura recente que me deixou de sobrolho franzido. Fechei a porta devagar e virei-me totalmente para ele.
- Bom dia, melhor?
- O quê que a minha cara te diz?
Ele sorriu contidamente e não respondeu à minha questão retórica, em vez disso apontou para a saída.
- Aceitas uma boleia?
Olhei para o carro e achei que ao menos nisso eu teria poder de decisão, estava com o portátil na mão e não lhe iria facilitar a vida. Difícil era o meu nome do meio, apontei para o céu que naquela manhã estava limpo e soalheiro.
- Na verdade demoramos apenas dez minutos para lá, podemos ir a pé, preciso de fazer a fotossíntese, estar tanto tempo em casa fez-me perder o resto da melanina que tinha no corpo.
Ele conteve-se, mas conteve-se mesmo para não se rir... qual era a piada? Já não se podia ser irónica sem se passar por palhaça. Forcei-me a não sorrir.
- Queres dizer então clorofila?
Haaa, então era por aí que ele quereria enveredar caminho? Não respondi enquanto me punha a caminho, com ele atrás. Mudei a pasta de mão enquanto fazia sinal ao veiculo que parara para nos dar passagem, ato mais mecanizado que consciente mas mesmo assim a meu ver indispensável, quer dizer... eles poderiam sempre optar por nos atravessar com o carro por cima.
Ele não falou e eu agradeci, já era o suficiente ter que lidar com o calor da sua presença, ouvir a sua voz seria como mergulhar num poço sem fundo.
O que quereria ele dizer-me? O que seria tão importante assim? De onde o conhecia? A curiosidade tomava conta da minha cabeça, deixava-me sempre e praticamente à beira da loucura, de um precipício de emoções arrasadoras, ataques de ansiedade constantes quando o instinto me ditava que não era bom, que não era seguro, e no entanto esta ali com ele. Um homem que supostamente conhecia mas não sabia de onde.
Porra para isto tudo... chegamos cedo demais para eu me ambientar, cedo demais para o receio tumultuoso passar.
Sentei-me na mesa mais afastada que havia das poucas pessoas que lá se encontravam, o mais longe da porta, o espaço que me dava mais manobra de escapar discretamente caso fosse necessário. 
Ele sentou-se à minha frente e deixou os braços para baixo, as mãos debaixo da mesa e observámos-nos. O Empregado não demorou muito a alcançar-nos.
- Bom dia, bem vindos ao Luigi´s, qual é o vosso pedido?
- Bom dia, café duplo por favor.
Olhei para ele de lado à espera que ele falasse.
- Acho que me vou ficar pelo café curto e um copo de água.
O empregado apontou e dirigiu-se para o balcão. Clareei a garganta e em vez de esperar que saísse algo optei por ser eu a começar.
- Pronto, vamos ao assunto mais importante. Quem és tu e de onde me conheces?
Hoje ele não trazia o chapéu habitual, deixou o cabelo rebelde, escuro à solta, o ar despenteado punha-me a desejar poder passar os dedos para o pentear, mas devolvi o olhar ao dele e foquei-me no que ele diria.
- Isso não é o mais importante.
- Ai não? - tentei manter uma mente aberta - então e o que é mais importante para ti agora?
Os nossos cafés chegaram na altura em que ele ia a abrir a boca, o meu café duplo e o curto à sua frente. Agradecemos ambos e bebi o primeiro gole, amargo sem açúcar, simplesmente perfeito. Ele pôs açúcar no dele e era irónico porque eu achava-o um homem de cafés puros.
- Então? - ergui a sobrancelha.
- Estás melhor desde ontem à noite?
A serio? Ele estava mesmo a responder-me com outra questão? Tudo bem... poderia entrar nesse jogo também.
- Perfeita, como nova, óptima, pronta para outra.
- Um pouco rebuscada.
Revirei os olhos.
- Podes ir directo ao assunto? Nunca gostei de floreados.
Ele sorriu.
- Pois Cassandra mas eu ainda não estou pronto para passar para outros tópicos, gostava de conversar um pouco mais contigo.
- Julguei que viríamos aqui para esclarecer o facto de tu me andares a perseguir.
Ele riu-se, riu-se mesmo, fiquei com cara de parvinha a olhar para ele.
- Sempre tão séria, nunca aproveitas os momentos Cass?
Semicerrei os olhos, sem saber se deveria dar-lhe banho de café ou se lhe mandava um estalo, mas, optei pela terceira opção que era não fazer nada, ele viu que eu não estava a achar piada nenhuma à situação, alias, quem era aquele homem para me tratar pelo meu diminutivo? Agora que pensava nisso... ele ainda teria as minhas chaves. Automaticamente estendi a minha mão sobre a mesa.
- Julgo que tens algo que me pertence.
O sorriso dele não se foi embora, sem retirar os olhos dos meus, passou-me as chaves para a minha mão.
- Como é que as conseguis-te?
Reajustou-se na cadeira e pousou os cotovelos na mesa, o queixo nas mãos e a aproximação dele começou a aquecer-me. Hormonas estúpidas, corpo estúpido, necessidade estúpida.
- Digamos que a tua amiga pode ser um pouco distraída, e talvez as deixasse como um convite para ir a tua casa.
- Onde? - Insisti.
Ele suspirou
- Aqui mesmo, na hora do pequeno-almoço.
- Acho que vou exigir que ela ande com elas ao pescoço.
- Só me facilitarias ainda mais a tarefa.
Frustração... estava a ficar completamente frustrada, mas que raio! Quem era ele e que tipo de direito julgava ele ter?
- Quem - és - tu?
A expressão dele abateu-se um pouco, mas, o brilho não deixou de lá estar presente, encostou-se para trás mesmo nas costas da cadeira e pigarreou baixinho, o café dele já tinha sido bebido e o meu ainda ia a meio, provavelmente iria ficar lá, frio e morto.
- Queres mesmo saber?
- Estou à espera e impaciente.
Ele suspirou e revirou os olhos, mas, pôs o seu ar sério e muito sinceramente meteu-me um pouco de receio a resposta que ele poderia ter para me dar. Ele voltou a focar-se em mim e falou.
- Sou o melhor amigo do teu irmão, sou o Samuel.
Senti o coração a bater, baques sucessivos e rápidos a bombardear-me por dentro, o sangue a correr-me nas têmporas, a originar-me uma valente dor de cabeça. Por momentos a náusea da noite passada quase que ameaçou surgir... porquê que eu olhara para o meu café como algo frio e morto... algo como o meu irmão...

05/08/2017
01:21
Sáb.

Diana Silva

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