terça-feira, 4 de julho de 2017

O Parca Negra (10º Episódio)

O que iria almoçar... sopa? Um bom bife grelhado... omelete? Não estava com estômago, nem paciência para nada de muito complicado, mas, tinha de esperar que a Vanessa acorda-se.
Sempre podia fazer algo simples para mim e depois quando ela decidisse despertar, preparava algo para ela.
Desde que Vanessa chegara, as coisas tinham-se acalmado razoavelmente, fazia já dois dias desde que a minha amiga do peito entrara feita furacão pelo meu Hall de entrada a dentro.
Nem sinal do meu subconsciente matreiro e carente.
Optei por ovos mexidos. Rápido e simples, dava para apaziguar o estômago e não ter uma crise de hipoglicose.
O Portátil ligado com o barulho das ventoinhas a girar, estava repousado em cima da mesa e decidi que iria permanecer ali. Precisava de endireitar um pouco a coluna e sair da posição habitual de australopithecus.
Entre garfadas e teclas fui dissolvendo o nó mental que me reteve antes dos ovos, as palavras fluíram com mais facilidade entre o cérebro e os dedos. Sair de casa para obter inspiração poderia tornar-se numa ideia tentadora.
Pus o prato de lado e escrevi freneticamente o final do capitulo vinte e um.
Escutei o som de passos lentos e sonolentos a descer as escadas e Vanessa apareceu à entrada da sala com um pijama deveras mínimo e pouco colorido. Sempre pronta para acção... pensei para com os meus botões.
- Bom dia cotinha! - saudou-me
Sorri, de vez em quando ela até tinha piada, só arrasando a ironia.
- Cotinha? Essa é nova. - comentei.
- Gosto de inovar... então o que é o almoço?
Levantei-me para ir pôr o prato no lava loiça.
- Não te quis incomodar por isso preparei algo leve para mim e esperei que acordasses para te cozinhar algo...
Ela espreguiçou-se e o seu sorriso de orelha a orelha rasgado encheu-me de sossego e nostalgia.
- Mimas-me demasiado Cass, qualquer dia mudo-me para aqui.
- É o mínimo que posso fazer depois de te ter quase arrastado "para aqui".
Acabei de lavar o prato.
- Então o quê que a chefe lhe pode fazer?
A Vanessa abanou a cabeça e quase me escorraçou da cozinha.
- Não tens prazos? Vai continuar o teu trabalho por favor, eu posso cuidar de mim.
- Pronto, se tu o dizes... tem cuidado é com a frigideira, ela é manhosa. - avisei, o que era verdade.
- Sim mamã... - suspirou e riu-se entre dentes.
Semicerrei os olhos divertida e fui novamente para a mesa.
Era muito fácil estar ao pé dela, a alegria dela era genuína, e nunca na minha vida pensei em pedir melhor amiga que esta, sempre pronta, para ser tudo.
"Capitulo 22" e um "plim"
Olhei para o canto inferior direito e vi que tinha recebido uma mensagem na minha caixa de entrada, a minha mão tremeu de expectativa e o sangue começou a aflorar-me a pele, escaldando as veias e as emoções. Seleccionei a mensagem, o assunto novamente em branco, novamente em anónimo e soube assim mesmo que era ele. O meu misterioso perseguidor.
"Às vezes sair de casa faz bem à alma e à imaginação...
Atentamente
O Parca Negra"
Instintivamente franzi o sobrolho, o nervosismo dava para que eu roesse as unhas até ao sabugo mas contive-me, em vez disso, escolhi responder, sem ter a certeza se alguma vez iria chegar ou não.
"Estou em grande desvantagem de facto, acho que me deve uma grande explicação..."
Não me pus com cerimónias, gostava de ir directa ao assunto, enviei e enquanto esperava por uma suposta resposta tentei empenhar-me na continuação, novidade das novidades, não me voltei a concentrar. Da sala ouvia o barulho que Vanessa fazia na cozinha, ainda ia demorar, inspirei e derreti-me de impaciência na minha cadeira até que o esperado "plim" se fez ouvir novamente.
"Não te prendas Cassandra, nunca é bom estarmos só connosco mesmos, torna-se cansativo."
Mas quem era aquele tipo para me dizer algo do género? Furiosa, voltei a teclar.
"Vem e mostra-te, pode ser que aí deixe de estar só comigo!"
Enviei sem ler uma segunda vez, senti a coragem a assomar-se nas minhas entranhas, estava a ficar perdida com todo aquele mistério. Que homem teria uma presença assim tão forte, um homem que nunca vira o rosto, que de facto nunca vi realmente. Quem seria ele para me assombrar até nos sonhos, para me trazer prazer culpado, para me deixar tão inebriada como nunca ninguém o fez. Seria isso alguma vez possível? Será que eu alguma vez me cruzei com aquele estranho sem ser no café?
Mensagem recebida.
"Pode ser que aconteça mais tarde ou mais cedo
Atentamente
O Parca Negra"
Voltou à formalidade, ao mistério. Não voltei a mandar mensagem, fechei o portátil e pu-lo dentro da minha pasta.
Fui para a cozinha e Vanessa já punha no prato o seu almoço.
- Tens planos para esta tarde Nessie?
Olhou-me desconfiada, provavelmente notava a minha alteração de humor.
- Tenho de ir fazer cinco horas extras na livraria, a Anabela ficou doente.
Senti a minha boca a tremer nos cantos e formei o O.
- Bom então parece que irei sozinha. - conclui.
- Ir onde? - perguntou erguendo a sobrancelha armando o seu melhor ar de detective privada.
- Vou ao Luigi´s, têm esplanada e jardim, o dia está favorável para ganhar inspiração com um bom café.
Sorriu, mas, sabia que a pontada de preocupação que lhe marcava a covinha da bochecha iria permanecer.
- Acho que fazes bem, devias pôr-te ao sol um pouco. Desde à uns tempos para cá que te tornas-te num fantasma a sério.
Revirei os olhos.
- Ficaria mal vista se sai-se agora?
- Força - incitou-me - eu também vou tomar um duche, vestir-me e dar corda aos sapatos.
Dei-lhe um beijo na testa e peguei no meu material, peguei nas chaves e saí porta fora sem me demorar muito. O Luigi´s ficava a uns meros sete minutos a pé, atravessar umas duas estradas e já estava.
Cheguei lá em cinco.
Sabia bem ter consciência dos músculos das pernas, não me tornara de todo lenta como à velhinha raquítica que eu me sentia.
Sentei-me na mesa mais afastada da entrada do estabelecimento e fechei os olhos. Inspirei o ar à minha volta e quando abri de novo os olhos, pareceu-me ver uma figura preta

ao longe...


4/07/2017
Ter.
Diana Silva


2 comentários:

  1. Sem palavras todos os textos são completamente incriveis fazem nos pensar na vida como se cada frase acontecesse diariamente para conosco sinto o que sentes vejo as coisas como vês vejo muito de mim em cada texto . Beijinhos e Parabéns

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    1. Muito muito obrigada princesa. É sempre bom saber que podemos chegar assim a alguém. É um sentimento espectacular. Beijinhos!

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