segunda-feira, 31 de julho de 2017

O Parca Negra (18º Episódio)

As náuseas instalaram-se mesmo no extremo do meu esófago, a tontura percorreu-me da espinha até à cabeça e quando dei por mim alguém me segurava pelos ombros enquanto descarregava as caipirinhas, os mojitos e os tónicos. Pressionaram-me algo húmido e fresco na cara o que me soube lindamente e quando a visão deixou de estar turva fixei o olhar em Vanessa.
- Credo, Cass. Estás bem amor?
- Melhor. - respondi com a voz rouca.
- Pregaste-me cá um susto, caramba! Devia ter ido à tua procura nos primeiros dez minutos.
Revirei os olhos, algo de que me arrependi prontamente, a náusea foi-se a tontura não.
- Não sou nenhuma criança Nessie, sei cuidar de mim.
- Vê-se!
Quem respondeu não foi ela, quem me respondeu deixou-me percorrer um arrepio coluna a cima e ao sentir o tremor apertou-me ainda mais. Agora que reparava nisso, o corpo dele ainda me sustinha, firme e presente.
Procurei o rosto e quando o encontrei estava sério, apreensivo e talvez um pouco... preocupado? Na manga da sua mão direita subiam salpicos vermelhos, alguns vivos outros já a escurecer. Tentei afastar-me mas ele manteve-se com punho de ferro e não me deixou afastar.
- Hum... olá? Eu consigo manter-me de pé, obrigada.
Não o disse de maneira brusca nem usei o meu melhor ar de retardada mas ele pareceu compreender e desanuviou o gesto e deixou-me livre. respirei fundo e voltei para o banco onde estivera, longe do cheiro do meu próprio vómito e longe das luzes e olhares curiosos no interior dos bares, Vanessa e ele seguiram-me.
Ela sentou-se a meu lado e passou-me a minha malinha, ele manteve-se de pé e observar-me, sem tirar os olhos de mim. Depois de cinco minutos a vê-lo passear para a frente e para trás e se sentir Vanessa a acariciar as minhas costas descobertas cansei-me, olhei para o relógio e eram quase três e um quarto da madrugada.
- Nessie podemos ir para casa?
Ela levantou-se num salto, não tinha ar de quem emborcara quase o bar inteiro mas pensando melhor ela estava mais habituada a estes ambientes do que eu, poderia dizer-se que estava no seu "habitat natural".
- Vamos sim e quando chegares tomas um banho e metes uma aspirina debaixo dessa língua.
Acenei em concordância e levantei-me também, fiquei embrenhada nos pensamentos e ao mesmo tempo observei que a Vanessa nada dizia em relação ao facto de ele nos estar a seguir. Entrei no carro no lado do pendura e após instalar-me ela pôs-se no seu lugar, quando olhei para o meu lado direito vi que ele batia com o nó do dedo no vidro ao de leve. Ela abriu a janela.
- Amanhã vou ter contigo.
E foi-se embora. Podia ter-me mandado uma sms, um e-mail, um postal da china até, mas teve de o dizer ali. Era para me testar? Para me colocar os nervos em franja? Ou se calhar queria deixar-me na expectativa. Pousei a cabeça e deixei-me embalar pelo ronronar do motor do carro até chegar-mos a casa.
Quinze minutos depois já estava desmaquilhada, o penteado desfeito, o pijama vestido e a aspirina tomada. Quando a Nessie saiu do quarto não estava com o sorriso habitual, estava tensa, e eu precisava tanto da animação dela. vieram-me à memória os acontecimentos da noite e levantei-me novamente para ir lavar os dentes pela segunda vez. Aquele sabujo nojento tinha-me realmente dado um beijo, que asco.
Voltei a deitar-me e estava tão exausta que acabei por adormecer.
"Tic-Tac... Tic-Tac... Tic-Tac...
Sentia que não conseguia esperar, estava a demorar tanto tempo... Quanto mais teria eu que esperar?
A cadeira era alta para mim, ainda não tocava com os pés no chão, mas um dia iria conseguir tocar com eles no mosaico e aí seria diferente, seria alta, podia enfrentar todos os que me queria fazer mal. A mamã iria chegar a qualquer altura, a professora estava zangada comigo, mas, eu não tinha culpa, iam roubar o meu lanche e não deixei, mas, o menino ficou muito ferido, muito mesmo.
A Porta abriu-se e a mamã entrou, o meu cabelo não era como o dela, a mamã tinha o cabelo cheio de cores claras, eram madeixas loiras muito bonitas, muito suaves, mas ela não me deixava tocar nelas, ela afastava-me.
- Boa tarde Sra. Laura, lamento ter-mos que a trazer até aqui tão cedo, mas acontecimentos infelizes sucederam-se hoje.
- Boa tarde, professora, a minha filha está bem pelo que observo o que se passou?
A professora relatou o que se passou, ela contou que me viu a atirar a pedra ao meu colega mas não lhe contou das vezes que ele me empurrou ou quis roubar algo que era meu, só contou o que eu fiz, não era justo e ninguém me ouvia, era porque era pequena de certeza, um dia quando eu for alta todos me vão ouvir. Quem me dera ser alta.
Vi a mamã a cerrar os punhos sobre o casaco quando a professora disse que eu partira a testa do colega, vi-a a ficar pálida e quando olhou para mim de lado eu vi a promessa, vi-a estampada no seu rosto, quase que senti as costas a arder. Baixei a cabeça.
- A menina Cassandra tem algo a dizer?
Abanei a cabeça. Eu não estava arrependida, ele tinha merecido. E não me iria safar da mamã, já sabia o que me esperava em casa... não queria ir para casa..."
Acordei a suar, levantei-me rápido da cama e olhei para o relógio. Eram nove e meia da manhã. Silenciei o despertador com uma pancada e voltei a deixar-me cair para trás. O coração pulsava, rápido e forte dando-me sinais de vida. Fiquei a olhar para o tecto a recordar a cena, ergui a minha mão direita e comparei-a com a da minha memória com sete anos. Deixei-a cair quando ouvi a campainha a tocar, não me movi, deveria ser o correio. Voltaram a tocar e eu continuei a deixar-me estar, não queria saber. Vanessa ainda devia estar a dormir e eu iria fingir que também o estava a fazer... tentei.
Recebi uma mensagem no telemóvel. Peguei nele.
" Eu disse que viria ter contigo, fico à espera."
Afinal... acordei de um pesadelo para outro...

31/07/2017
13:38
Seg.

Diana Silva


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