segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O Parca Negra (20º Episódio)

Emoções.
Não podia deixar escapar mais nenhuma, não iria deixar cair por terra todas as muralhas que eu própria erguera durante anos. Ele apareceu e as más memórias vieram com ele, não podia ser bom, não havia hipóteses nenhumas disso... ou haveria? O nó na garganta não se dissolvia, nem com o café a escaldar. Pousei as mãos nas pernas, onde eu sabia que ele não as veria, sentia o ligeiro tremer, o nervoso miudinho que se instalara no meu peito e nos meus pulsos.
Não consegui afastar o meu olhar do dele e ele por conseguinte também não o afastou de mim. Quanto tempo ficara eu sem resposta?
- Fala comigo Cassandra, por favor...
Engoli em seco e mesmo assim a voz não me assistiu, parecia fraca, rouca, cansada.
- O meu irmão morreu à dez anos, o que queres de mim agora?
Observei o peito dele a encher e a esvaziar, os seus lábios moveram-se para deixar escapar um curto suspiro.
- Só agora consegui encontrar-te, fiz uma promessa e não tenciono quebrá-la.
- Eu estava bem sozinha, não preciso de mais ninguém na minha vida!
O meu telemóvel tocou, só podia ser uma pessoa a ligar. Atendi e aproveitei para abandonar aquele olhar gelado.
- Bom dia Nes...
"- Cass, vou ter de voltar a casa, alguém forçou a entrada, acho que fui assaltada."
- Meu Deus! Vou contigo Vanessa, não vás sozinha!
"- Não preciso, vou sozinha... vou ligar para a policia e resolver isto."
- És doida só podes, não vais sozinha e ponto, se for preciso chego lá primeiro que tu! Estás onde?
"- A sair de tua casa agora e a entrar no carro, já te ligo."
- Mas que porra!
Aí ela já não me ouviu, já tinha desligado, olhei para ele e vi-o atento.
- Vamos ter de deixar a conversa para outra altura. - levantei-me da mesa e claro ele... neste caso o Samuel... tinha que se levantar também.
- Que se passa? - perguntou.
Não respondi, dirigi-me ao balcão e tirei a carteira, só que quando ainda estava a abri-la, ele já se tinha esticado e pago a conta.
- Não era preciso.
- Fui eu que convidei.
Nada mais disse, agradeci e dirigi-me para a saída, fui rápida a chegar e ele não se deixou ficar.
- Vais contar-me o que se passa?
- Porque raio achas que tenho de te dizer algo que seja, és o melhor amigo do meu irmão, mas não és meu amigo, nem te conheço, na verdade nunca conheci nenhum amigo dele!
- O não quereres lembrar-te é diferente de não me conheceres.
O carro da Vanessa já lá não estava. apressei-me a ir a casa deixar as coisas e voltar só com o essencial. E ele continuava lá, insistente.
- Algum problema?
Ele observou-me de alto a baixo, viu o meu nervosismo, quase parecia que estava a absorver o que eu sentia, mas, mantive-me firme, não ia fraquejar diante dele.
- Sim, mas agora vou levar-te onde quiseres e depois falamos.
Não tinha tempo para discussões Vanessa punha-se no local com uma rapidez brutal e eu tinha de ir ajudá-la, ele abriu as portas do carro e fez-me sinal para eu entrar enquanto se punha no lado do condutor. Que espectacular o dia estava a ser. O melhor amigo do meu irmão morto a perseguir-me, a minha melhor amiga a ser assaltada e eu a querer afastar-me mais uma vez de tudo e de todos. Que se dana-se o que eu sentia, a minha amiga primeiro.
Entrei no lugar do pendura e ele pôs o carro a trabalhar.
- Onde?
- Por agora podes seguir e virar à tua primeira esquerda por favor.
O silêncio tornou-se a que modos sufocante, eu estava a tornar-me sufocante, poderia até começar a sofrer de asma crónica caso isso existisse. Tentei organizar tudo na minha cabeça, em gavetas, diversos assuntos dispersos ocorreram-me e outras tantas perguntas como... o que raio fazia ele ontem à noite naquele lado dos bares?
- Estava a trabalhar. Estavas tão ultrapassada que não reparas-te no meu fato.
- Desculpa?
Ele olhou-me de lado sem retirar completamente os olhos da estrada, sorriu.
- Perguntas-te e eu respondi-te.
Virei a cabeça para as minhas mãos e senti a minha cara a ficar mais vermelha que um tomate. Eu? Ultrapassada?
- Trabalhas lá? - perguntei.
Acho que merecia saber, já agora.
- Sim, no bar ao lado do Blues, o Scorpion. Gostava de saber quem se lembraria de juntar um bar gótico ao lado de um bar que merecia pertencer aos anos sessenta.
Aí sorri, sorri mesmo... oh meu Deus... ele fizera-me sorrir. Tentei conter-me o máximo que pude e não puxei mais essa conversa.
- Vira aqui a seguir aos sinais à direita e depois à tua primeira esquerda.
- Sim senhora. - Comentou.
Franzi o sobrolho e mantive-me atenta à rua por onde passávamos. Estávamos quase lá e não conseguia deixar de sentir a ânsia de lhe tocar por mais loucura que fosse eu tinha vontade de tocar nele. Eu sonhara realmente com ele? Ele insistia em dizer-me que eu não me queria recordar... mas não quereria recordar-me do que? Podia bem gritar na minha cabeça, não me ressaltava o mínimo na minha memória... um deserto do oeste. Voltei a apontar o caminho e ele respeitou o silêncio, dois minutos depois estávamos à porta de Vanessa, uma casinha simples mas bonita, com um terraço bem arranjado, só ela lá vivia. Sem vizinhos chatos e barulhentos a morar no andar de cima. Vanessa estava a conversar com um agente enquanto que outro apontava, ela estava fula, com um rabo de cavalo desfeito e as roupas desalinhadas, mas bolas mesmo assim aquela mulher era sexy.
Saí do carro e apressada dirigi-me a ela.
- Nessie... então? - olhei para os agentes - Bom dia, sou a Cassandra.
Os agentes ergueram as sobrancelhas ao mesmo tempo... demasiado tempo juntos talvez...
- É a minha melhor amiga, eu tenho estado estes últimos dias com ela.
- Certo. - continuou o agente. - então disse-me que lhe ligaram em anónimo e a avisaram?
- Isso mesmo - ela saltitava de um pé para o outro, estava nervosa. - disseram-me que a porta estava aberta e que havia coisas no chão à vista espalhadas.
Olhei para o interior da casa, pus-me na entrada e aquilo era o caos, senti alguém atrás de mim, não precisei de me virar para saber que era Samuel.
- O senhor não pode estar aqui - avisou um deles.
- Ele está comigo - expliquei.
- Nesse caso, por favor não mexam em nada, precisamos de  recolher provas. - voltou a falar aquele que estava a fazer perguntas à minha amiga.
Pus um pé dentro de casa e não me atrevi a avançar mais, os móveis, os quadros, os vasos estilhaçados, quem é que poderia ser capaz de fazer aquilo? Não tinha sido só uma pessoa de certeza, não podia, era impossível.
- Faz ideia de quem ou do que poderiam querer de si ou dos seus pertences?
- Não sei, algum ex namorado ciumento talvez, não me levaram nada, verifiquei isso enquanto vos esperava, destruíram-me a casa toda.
Desta vez a voz que ouvi foi a do Samuel.
- Um ex ciumento? Parece que passou por aqui uma equipa de râguebi!
Virei-me no momento em que ela encolhia os ombros.
- Tive muitos namorados...
Ela olhou para o agente e o agente corou, por incrível que pareça... ninguém era imune aos seus encantos a não ser que jogasse na equipa adversária claro. Ele pigarreou e continuou o com o interrogatório, até uma outra equipa chegar, um homem e uma mulher, ele mais jovem que ela, quase pareciam mãe e filho e sem perder tempo puseram mãos ao trabalho.
- Senhora Vanessa, os nossos colegas Carmen e Gonçalo, são os que vão recolher alguma prova que nos possa ajudar neste caso.
- Prazer - cumprimentou ela.
Eles assentiram e pediram informações aos agentes, juntei-me a ela.
- Como te sentes?
- Estupidamente chateada, partiram-me tudo! Tenho de repor tudo e não sou propriamente rica! - suspirou.
Abracei-a e ela retribuiu.
- Sabes que podes ficar em minha casa o tempo que quiseres, até teres tudo em ordem.
- Obrigada Cass, és uma excelente amiga.
Sorri e dei-lhe um beijo na cara, ela franziu o sobrolho.
- Não costumas ser de tantos afectos.
- Eu sei. - respondi, até a mim isso me estranhava - acho que precisas de uns quantos amassos para melhorar a disposição.
Ela olhou-se com um sorriso de esguelha.
- Eu bem te respondo do que preciso. - e indicou com o queixo o agente com o qual falara.
- Nessie... tu não mudas!
Encolheu os ombros e foi ter com os agentes novamente, Samuel aproximou-se mais de mim e o seu braço roçou no meu provocando-me arrepios pela espinha acima, aproximou a boca do meu ouvido.
- Espero que um dia te aproximes tanto de mim como te aproximas da tua amiga...




07/08/2017
21:36
Seg.

Diana Silva


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