Tentei dar descanso à velha tecnologia e agarrar-me ao papel e à
caneta, a recordar-me nos escassos minutos seguintes que teria que seguir uma
linha contínua de pensamentos e que ia perder tempo a passar tudo da folha para
o ecrã, no restante manuscrito.
Deixei de parte a sensibilidade para com o portátil e tornei a visualizar o mesmo wallpaper de sempre com a saudação de sempre e com a luminosidade de sempre, de quase cegar alguém.
Deixei de parte a sensibilidade para com o portátil e tornei a visualizar o mesmo wallpaper de sempre com a saudação de sempre e com a luminosidade de sempre, de quase cegar alguém.
A monotonia que me ameaçava trancar os olhos não foi suficientemente
forte contra o post-it colado mesmo à frente do meu nariz, com a data de
entrega para a editora já no segundo aviso, por isso mesmo, posto o assunto em
pratos limpos e com uma grande caneca de café sem açúcar decidi por mãos à obra…
“De facto, poderíamos surpreendermos-nos com os pensamentos dos demais
sobre a nossa pessoa. Um aluvião de obscenidades conformistas que nos deixavam aquém
da suposta confiança, mas como perdoar, o que não possui perdão, ou qualquer
chance de ser perdoado?”
Nem o chão me ajudava a
descongelar as ideias. Senti que um tornado se gerava e era igual ao ruminar
incessante de uma vaca.
Observei o sofá gasto, a mesa velha, o chão igual de azulejo branco, o candelabro
suspenso no tecto demasiado velho para a modernidade e conclui que eu era uma
velha. Uma velha solitária que mal tardasse arranjaria uma mão cheia de gatos e
lhes daria nomes a começar em Mimi e a acabar em Rodolfo.
Tinha de admitir estar encrencada, precisava de um bom descanso, mas
com a assombração daquela data no papel amarelo florescente, o sono só me
traria pesadelos.
“ – Tu precisas é de te apaixonar!” – Disse-me uma vez Vanessa, após
milhares de tentativas de me arranjar com alguém.
O que eu lhe respondera na altura? Que não me servia de paixões e que
não estava interessada em romances.
“ – Pois bem, então envelhece e fica uma velha rabugenta.”
Já não a via à uma semana, pelo menos, não que não quisesse, mas, tinha
de terminar o trabalho. Ergui-me do soalho e decidi que estava na hora de
um banho quente para repor as ideias. Pousei o portátil na mesa de mogno e
enquanto me dirigia para o quarto, não pude deixar de reparar num objecto não
identificado pelo canto da vista. Foquei o olhar na sua direcção e o que vi
deixou-me perplexa.
De baixo da porta do hall de entrada encontrava-se o envelope azul
petróleo com um papel colado.
“Talvez não tenha sido muito
claro e peço perdão.
Para: Cassandra.”
O meu nome. Ele conhecia o meu nome, onde dormia, onde tomava os meus
cafés e eu nem a sua cara tinha visto.
Era uma partida de mau gosto com certeza. Deixei a missiva em cima da cabeceira
e entrei numa disputa parola entre decidir se tomava banho tal como Deus me
trouxe à terra ou se vestia um biquíni...
Diana Silva
23/03/2014
Gostei de ler
ResponderEliminarObrigada :D
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