terça-feira, 22 de agosto de 2017

O Parca Negra (24º Episódio)

Após um serão calmo, optei por usufruir do merecido descanso. Dei um jeito ao cabelo para não acordar com ele em modo filme de terror. Sim, porque se o deixasse solto iria suar e se suasse o meu cabelo daria uma de Samara a sair do poço.
Atirei-me literalmente para cima da cama e olhei para o telemóvel. Sem mensagens.
Estaria eu mesmo à espera de uma mensagem dele? Voltei a pousá-lo no seu lugar e virei-lhe costas, descrever o que estava a sentir tornava-se algo complicado. Era descabido dizer que queria mesmo falar com ele? Que ele me mandasse uma mensagem?
Voltei a virar-me para o maldito e fui para o campo de escrita... que raio vou escrever eu? Olá, como estás? Ou então... bom como não me chateaste muito hoje, senti a tua falta?
- Ah... estúpida, estúpida, estúpida!
Caí para cima das minhas almofadas, tinha de deixar de me portar como uma adolescente tímida, é só a porcaria de uma mensagem... certo. Tanto tempo e optei por mandar um simples "Oi".
Óptimo agora podia enforcar-me, provavelmente nem me responderia, mas ao menos tentei. Já se tinham passado dez minutos quando os meus olhos ameaçaram fechar-se e o tinir se fez ouvir, nunca fui tão rápida a pegar o telemóvel.
-"Cass? Está tudo bem?"
Se o meu ritmo cardíaco aumentou? O meu coração voou, trotou, temeu que nem varas verdes.
-"Está tudo bem... " - bom que tinha eu na verdade a dizer? Mandei a mensagem assim mesmo e a resposta foi rápida.
-"Precisas de algo?"
Preciso? Olhei para o relógio, era meia-noite.
-"Não, tudo ok... não estás a trabalhar hoje?"
Desta vez demorou mais um pouco, ai ai.... será que tinha sido impulsiva... estive sempre a dar-lhe com os pés e agora a vida pessoal dele já me interessava, bonito. Outro toque.
-"Estou, saiu daqui a uma hora."
Uau, ele respondera mesmo. Ele estava quase a sair, prestes a terminar o turno dele, não enviei nova mensagem, fiquei a olhar para o tecto, agarrada à almofada, o sono já não estava presente, fiquei cerca de uns cinco minutos a rebolar pelos lençóis como uma verdadeira perdida, a pensar no que eu ia fazer. Levantei-me e sentei-me na cama, olhei novamente para as horas e tomei a minha decisão. Despi o pijama com rapidez suficiente e enfiei o macacão preto, o mesmo da última vez, calcei os meus melhores saltos dentro de opções muito limitadas e sai do quarto sem me esquecer de uma malinha. Bati à porta de Vanessa e pedi-lhe o carro emprestado, estava tão embrenhada no sono que me disse onde estavam os documentos e as chaves sem sequer me questionar, perfeito. Agarrei em tudo o que precisava e abri saí de casa, fechei a porta sem fazer barulho algum e entrei no carro. Baixei o espelho retrovisor e olhei bem para mim, abri a malinha e tirei de lá o lápis e o eyeliner, passei ambos e por cima esbati ao de leve uma sombra preta, se ia a um bar gótico era bom que me aperaltasse. Tirei a gargantilha rendada que vira em cima da mesa de cabeceira da Vanessa e também a coloquei, no fim pus um batom vermelho sangue nos lábios, após uma análise cuidada decidi que soltar o cabelo era uma boa opção.
Uma parte estava pronta, agora... à quanto tempo não conduzia eu um carro?
-É como andar de bicicleta Cassandra... vamos.
Endireitei o espelho e pus as chaves na ignição, destranquei o volante, a mudança já estava na primeira,  carreguei na embraiagem e pus o carro em ponto morto, liguei o carro, mão no travão e a embraiagem para baixo, por fim comecei a soltar lentamente tanto um como o outro, o carro começou a andar. Fácil... ok, segunda fase concluída, agora era só  lembrar-me do caminho. Fiz um teste à minha memória por inteiro, pronto parecia uma velhinha a guiar, mas já era mesmo muito tempo sem estar atrás de um volante e afinal chegar à zona dos bares nem foi a tarefa mais complicada, vinte minutos e cheguei. Certifiquei-me que tinha fechado bem o carro e andei determinada até a um dos últimos bares na rua. Tentei não esbarrar com ninguém, ou seja, com nenhum dos bêbados, sempre à luz, visível e depois de andar praticamente a rua toda cheguei à entrada do bar. Não havia filas, nem confusões fora dele, entrei sem qualquer problema. O Segurança à entrada não era o Samuel, disse boa noite quando olhei para ele e deixou-me passar.
Pronto aqueles góticos não brincavam em serviço. Desde lentes de contacto, aos dentes postiços, às unhas bicudas, os cabelos espampanantes com vermelhos garridos ou pretos simples outros com madeixas verdes ou roxas... debaixo das luzes era quase impossível identificar a cor correta. A música era profunda, enchia os ossos de gelo e o cérebro adormecia, muito poucos estavam na pista e os que estavam limitavam-se a fazer movimentos fluidos como que a tentar encantar os parceiros. Calafrios percorreram-me a espinha, senti os olhares em cima de mim como se identificassem o ser estranho que eu era, fui até ao balcão e a mulher do bar não se demorou.
- Nova aqui? - perguntou.
Ela era pálida, muito mesmo, os lábios pretos e as lentes de contacto de cores diferentes eram a sua marca, um olho de cada cor.
- Pode-se dizer que sim.
Ela riu-se, ao menos não tinha caninos falsos.
- Cheiras a virgem, o que vais querer?
Senti a cara a ferver.
- A vossa especialidade talvez.
- Sai um demónio vermelho então.
Sorri e comecei à procura de Samuel, percorri com os olhos toda a extensão do bar que era possível e senti-me a ficar desiludida. O copo pousou ao meu lado.
- Estás à procura de alguém.
Não era uma pergunta, se calhar ela até podia ajudar-me.
- Um dos seguranças, o Samuel, ele está cá hoje, não está?
- Está sim, hoje está na área VIP na cave. - olhou para o relógio - deve estar mesmo a sair... ah e cuidado, prova primeiro, tem tendência a apanhar muita gente desprevenida. - apontou para a bebida.
Aceitei o conselho de bom grado e provei um pouco, era picante e a garganta queimava mas era suportável. Senti os lábios a ferver, cheirava a canela mas era forte.
- Uau!
- Avisei. - piscou-me o olho e foi atender outro cliente.
Bebi devagar, saboreei e fui observando o comportamento de todas as pessoas à minha volta, o ambiente nem era mau de todo, um pouco arrepiante sim, mas mesmo assim controlado. No meio das minhas atrofias nem dei pelo tempo passar, ali ninguém metia conversa com ninguém e foi um ponto que me deixou aliviada, mantinham-se nos seus grupos, tal qual alcateias distintas.
O meu copo já ia a meio quando das escadas vejo a subir o Samuel, fiquei automaticamente nervosa e esqueci-me da garganta febril, dos lábios picantes e fiquei a vê-lo. Ele estava com a parca preta dele e o chapéu dos AC DC, já estava sem a farda, deixei o copo em cima do balcão e fui ter com ele.
Só deu por mim quando quase me atropelou.
- Cassandra? - perguntou surpreendido.
- Olá - disse - achei que não queria esperar por amanhã, o que achas?
Samuel presenteou-me com o seu sorriso aberto.
- Podemos ir aqui ao bar vizinho se quiseres.
Senti a minha cara a espelhar o sorriso dele.
- Perfeito.

23/08/2017
01:32
Qua.

Diana Silva

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